Afrodite - Diva do Olimpo
Reconheça sua própria beleza e encanto, seja seu próprio líder e satisfaça a todos os seus desejos. Apenas esqueça o falatório!
Nessa época de reavivamento do culto aos Deuses Antigos, uma divindade vem se mostrando mais do que o normal aos olhos mortais. Seria pelo tema ao qual está inserida, o amor? Talvez. O ser humano não consegue escapar dessa força e gravita em torno dela durante toda sua vida. Desde sua ausência até sua sublimação.
Poderia ser isso, então? Ou essa divindade teria algo mais a nos falar, mistérios aos quais podemos sondar e um poder além do que costumamos observar? Não por acaso escolhi essas palavras ritmadas para introduzir meu artigo, pois a rima combina duas ou três frases com seus sons para dar sentido e cadência a um parágrafo. Assim também é o amor, que ressoa em nossos corações em correspondência com algo ou alguéns para trazer união e sentimento de pertencimento. É assim que trabalha Afrodite, a Deusa do Amor.
ORIGEM
O culto de Afrodite foi baseado na adoração de duas Deusas asiáticas: Ishtar, dos acádios, e Astarte, dos fenícios. Elas são deidades que regiam sobre o amor, a beleza, a alegria, o sexo e a fertilidade, assim como Afrodite. Ishtar também era representada pelo planeta Vênus e, portanto, assim também o foi com Afrodite após o sincretismo que houve entre os deuses gregos e romanos.
Em seus cultos e adoração eram ofertadas libações, sacrifícios animais e sexo, comuns também na adoração a Afrodite que tinha uma festividade chamada Afrodisíaca em Sua homenagem. Daí que provém a expressão “afrodisíaco” para os alimentos que despertam a libido. Esse festival em honra a Afrodite, que acontecia em Fevereiro, também ocorre proximamente à data dos rituais de primavera que eram realizados para Astarte e Ishtar em Março.
Dois outros pontos evidenciam ainda mais que Afrodite não é necessariamente uma deidade grega em sua origem: A) o fato de na Ilíada a deusa ter dado preferência aos troianos e não aos gregos per se; B) o seu amante Adônis é uma faceta ocidentalizada do deus babilônico Tamuz, que é amante de Ishtar.
Já o nome de Afrodite remete a Seu nascimento, pois a palavra grega Aphros, que significa espuma, é uma alusão a um dos contos sobre como se deu seu nascimento pelas espumas do mar. Dessa forma, Hesíodo diz que o nome significa “Erguida/Nascida da Espuma”. Já o etimólogo Michael Janda afirma que seu nome provêm de duas palavras: aphros e déatai (espuma e brilho), significando “A que brilha da espuma”, numa alusão tanto ao Seu nascimento quanto ao atributo de Afrodite como Estrela Vespertina ou Estrela D’Alva (planeta Vênus). Existem diversas outras interpretações etimológicas, mas muito controversas para se efetivarem.
COMPARAÇÃO COM VÊNUS
Acho que antes de nos aprofundarmos no estudo de Afrodite, é interessante comentar sua comparação com a Deusa Romana Vênus. Digo isso porque apesar do sincretismo religioso entre os gregos e romanos, pois era costume Roma absorver o culto dos povos que conquistava (essa assimilação facilitava a aceitação do povo conquistado em relação ao novo poder), a forma de atuação de Afrodite e Vênus em alguns pontos se distinguem e essa distinção as tornam únicas. Esse estudo, portanto, apesar de citar Vênus em alguns momentos, não é dedicado a essa Deusa, mas apenas e exclusivamente a Afrodite.
Enquanto conseguimos remontar o culto de Afrodite ligado a outras deidades, a comparação com Vênus, de certa forma, é um tanto quanto sincrética demais, pois no paganismo moderno as deusas são vistas como uma só e invocadas dessa forma em seus rituais, principalmente pelos Wiccanos. Muitos as consideram a mesma divindade, mas não eram vistas assim na Antiguidade.
Quando a Grécia sofreu a dominação romana o culto de Afrodite foi absorvido e sincretizado com o da deusa local Vênus. Porém, inicialmente Vênus era uma deusa da fartura e da prosperidade adorada em Citera, um entreposto comercial, mas como suas semelhanças de representação física com Afrodite eram por demais grandes, o sincretismo religioso a tornou também uma deidade do amor. O planeta Vênus na astrologia, que fala sobre amor, também é um signo de prosperidade, sucesso e fama. A explicação está na origem ancestral de Vênus como deidade ligada aos bens materiais e ao amor.
Já Afrodite representava os sentimentos que dão suporte ao convívio social, enquanto que Vênus representava apenas o amor carnal/sexual. Outro ponto é que as características de Deusa Guerreira de Afrodite na realidade são um reflexo do culto a Vênus, pois a segunda era adorada como guardiã das cidades pelos guerreiros, daí vindo o conto de que Ela protegeu Eneias na Guerra de Tróia (claro, porque ele também era seu filho). Mas, um de seus epítetos na Grécia (Hekaergê, a que bate à distância) diz o contrário, pois a primeira não era uma Deusa ligada às batalhas. Uma distinção bastante evidente, a propósito.
Os anos passaram e o culto aos deuses antigos sofreu um profundo declínio vindo a ressurgir novamente no século XIX, porém, o Renascimento no século XIV, que resgatou muitas informações desses povos, não compreendeu a diferença entre as duas deidades e quando o culto voltou à tona as Deusas já estavam tão sincretizadas que se tornou quase que impossível distingui-lo. Isso é notado hoje em dia quando vemos inúmeras referências à Deusa como Afrodite/Vênus. E, como forma de fazer essa afirmação, até mesmo a recente música “Venus” de Lady Gaga reforça essa comparação. No entanto, são sim Deusas distintas.
SEU CULTO E REPRESENTAÇÃO
Peço que me perdoem novamente, mas essa será a última interrupção antes de nos aprofundarmos nos mistérios de Afrodite, pois entendo ser relevante salientar como o culto aos deuses antigamente era visto e sua diferença nos dias atuais.
Posso afirmar com propriedade que se algum sacerdote dos tempos antigos nos vissem hoje em dia, eles nos amaldiçoariam e clamariam que Afrodite nos punisse por nossa húbris. Os gregos temiam muito praticar a húbris. Cada ser no Cosmos tem seu devido lugar e almejar estar ou afirmar estar em uma posição que não se pertence, é fazer húbris. Isto é, mortais que ofendessem ou tentassem se igualar aos Deuses eram devidamente punidos e castigados.
Os Deuses Gregos são antropomórficos e, portanto, possuem características e personalidades humanas. Sendo assim, não puniam os mortais apenas por orgulho, mas para ensiná-los que cada um tem seu papel e lugar. Os mortais não são Deuses ainda e por isso não devem tentar se igualar aos Antigos. Mas, o que vemos hoje em dia são ícones pop que se vestem como deuses e se proclamam divinos, pessoas que “invocam” essas pessoas (ainda vivas!) para rituais, etc. O que aconteceu foi uma degradação da religiosidade? Ou seria uma evolução das formas de culto?
Antes de prosseguir com esse tema quero falar um pouco mais sobre a húbris e vou apresentar alguns exemplos de punição. Por serem muito belas e se compararem a deusas, Psique, nora de Afrodite, e Andrômeda foram perseguidas e tribuladas por Afrodite. Outra forma de se fazer a húbris é não entender a importância das deidades e, assim, rejeitá-las, como aconteceu com Hipólito. Ele era um mortal filho de uma Amazona e que amava a deusa casta Ártemis acima de todos, mas notadamente desprezava Afrodite. Em virtude disso, era também puro e casto, o que ofendia profundamente Afrodite que ama os que se entregam aos prazeres e abomina a castidade. Então, fez com que a madrasta de Hipólito se apaixonasse por ele e, desprezando-a, levou-a a tal infelicidade que ela se suicidou. Antes da morte, porém, deixou uma mensagem para Teseu, seu marido, dizendo que Hipólito a havia estuprado. Teseu, horrorizado, pediu que Posêidon se vingasse dele e fez com que o barco do jovem se arrebentasse nas rochas oceânicas causando sua morte.
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É, brincar com os deuses não é brincadeira!
Contudo, Afrodite não é só vingança. De forma alguma! Existiram sim vários casos de mortais que a ofenderam e foram punidos, mas também existem casos onde ela abençoou inúmeros mortais. Um deles foi Pigmaleão, escultor e rei de Chipre, que teve seu filho sacrificado para que se cumprisse uma profecia de que a chuva chegaria ao Egito após um estrangeiro ser sacrificado. Esse estrangeiro infelizmente foi o filho de Pigmaleão. O rei lamentou profundamente sua morte e Afrodite, se comprazendo de seu sofrimento, procurou a mulher mais bela da região para que se apaixonasse pelo Rei. Mas, quando não encontrou mulher que superasse em beleza uma das estátuas esculpidas por Pigmaleão, transformou a obra de pedra em uma mulher real que veio a se casar com o Rei e deu-lhe uma nova prole.
Encontramos nesses mitos o eco da forma de culto aos Antigos. Mas, porque esses mitos de punição e bênçãos não se repetem nos dias de hoje, visto que tudo isso ainda ocorre? As divindades perderam sua força e poder? Ou será que evoluíram em suas manifestações? Aqui retomo o pensamento anterior da evolução de cultos.
As sociedades antigas eram muito supersticiosas e era através da superstição que os sacerdotes, que também eram políticos, mantinham a ordem e o controle da sociedade. Se havia seca, é porque o povo estava se afastando de seus deuses. Mas, se o desejo do sacerdote era depor um governante, bastava afirmar que por ele não deitar as devidas oferendas os deuses haviam se endurecido com a negligência, o que fazia com que o povo insatisfeito pudesse iniciar revoluções internas até que o governante fosse substituído. A superstição estava profundamente enraizada no inconsciente social, não muito diferente de hoje, mas muito mais intenso.
Com o Iluminismo, no século XVIII, muito coisa mudou desde então. A religião que era a ditadora das regras se viu enredada numa teia de perda de poder pela ciência e razão. Como afirmar que a falta de chuva é culpa do povo ou do governante se ninguém mais irá acreditar nisso? Ou seja, a espiritualidade e o conceito de religião tiveram e ainda estão tendo que se adaptar à nova forma de sociedade que se instaurou. A mudança não veio apenas no padrão fé-razão, mas também nos costumes, pois a tecnologia e a indústria clamou para si a produção e para isso é necessário uma força de trabalho antes inexplorada: as mulheres e até mesmo os rejeitados. As artes então nem se fala, pois vem se alterando a cada século.
Em virtude de tudo isso, será mesmo que o conceito de húbris como era visto antigamente ainda tem validade na sociedade atual? A sociedade mudou/evoluiu e para que um culto se mantenha é necessário que esse evolua também porque sem a devida adequação com o tempo irá desaparecer. É por esse motivo que a Igreja Católica tem perdido tantos fieis e as Igrejas conhecidas como neopentecostais têm arrebanhado todos esses desgarrados do catolicismo.
Com o paganismo também não seria diferente. O culto teve que fazer sua evolução e os deuses e como são vistos também evoluiu, o que não quer dizer que tantos outros prefiram fazer um trabalho de reconstrução da forma como eram cultuados antigamente, de onde surgem os movimentos reconstrucionistas. Temos hoje então uma miscelânea de formas de culto que se adequam aquilo que o adorador busca, mas sem existir a afirmação de um “certo e errado”.
Por isso mesmo, apesar das diferenças de Vênus e Afrodite, ainda existem aqueles que as cultuam como uma mesma deidade. Afrodite é uma divindade tão ampla que sua atuação e forma de culto ser tão vasta não é nem um pouco chocante. Ela é uma das 12 deidades gregas principais fazendo parte do Dodecatheon (12 deuses principais) e seu culto certamente foi um dos que mais evoluiu com o passar dos milênios. Nisso vê-se a sociedade moldando a forma de honrarem essa deidade.
Antigamente, nos templos dedicados a Afrodite, suas sacerdotisas eram conhecidas como Prostitutas Sagradas. Porém, prostitutas não num sentido pejorativo ou depreciativo, como se pensa hoje no imaginário popular. Fazer sexo com uma dessas sacerdotisas era considerado algo sagrado e uma forma de conexão com a Divindade. Assim, se fertilizava a terra, garantia uma boa colheita e se permitia ter um pequeno vislumbre da Deusa. Essas orgias rituais, as Afrodisíacas, aconteciam principalmente em Esparta, Atenas e Corinto, e nelas, obviamente, se praticava o Hieros Gamos, também conhecido como o Casamento Sagrado, quando dois sacerdotes se uniam no coito representando seus deuses para que o gozo da relação pudesse fertilizar a terra e trazer abundância nas plantações e na geração de novos bebês humanos e filhotes animais.
Com a ascensão das religiões monoteístas e patriarcais, Afrodite começou a ter sua imagem deturpada e passada como uma deusa fútil, mesquinha e libertina. Logo após a queda do Império Romano, a Igreja conseguiu aos poucos consolidar seu poder em toda a Europa e o culto aos Deuses Antigos foi perseguido, deturpado, vituperado e renegado. Apenas um pouco dos costumes permaneceu vivo através dos vários sincretismos religiosos, mas o culto as deidades femininas como o era antigamente praticamente desapareceu, ainda mais por Afrodite representar a sexualidade aflorada das mulheres, ou seja, tudo contra o que a Igreja pregava: castidade, pureza, submissão e, não menos importante, que a mulher era a detentora do pecado original.
Mas, como disse anteriormente, o movimento Renascentista trouxe um novo despertar da cultura greco-romana ao Ocidente e várias deidades voltaram a aparecer através das Artes: música, pintura, escultura, arquitetura, etc. Dentre as deidades que ressurgiram está Afrodite. Esse foi o movimento inicial, como um pontapé para o reavivamento do culto aos Deuses séculos mais tarde, além de ser o responsável por consolidar várias das imagens que temos hoje das divindades gregas.
Em virtude de ser uma deusa que fala sobre sensualidade, sexo e fertilidade, geralmente é retratada nua em meio a Natureza, desde bosques ou mesmo no mar. Sua beleza é estonteante e cheia de feminilidade, sempre jovem com um ar de liberdade e de imenso prazer pela vida. Muitas vezes também chamada de “Dourada”, em virtude de seus longos cabelos louros. Às vezes, também aparece com uma coroa de flores e segurando um ramo de oliva. Como é a Deusa Nascida das Espumas do Mar, sua representação mais clássica é elevando-se de uma vieira no mar enquanto é assistida e atendida pelas Horas, que formam seu cortejo. Essa imagem é conhecida hoje em dia pela pintura “O nascimento de Vênus” pelo artista Botticelli.
A quantidade de imagens reproduzidas de Afrodite se dá pela obsessão dos escultores em tentar retratar a beleza mais estonteante e divina de todas. É a busca pela beleza ideal, que hoje acontece muito no mundo da moda. Mas, sua influência se estende também para o mundo da música onde canções são escritas em Sua homenagem, ou até mesmo álbuns inteiros, como aconteceu com a canção Venus, de Lady Gaga, e o álbum Aphrodite, de Kylie Minogue. Especificamente no álbum de Kylie, a cantora aparece na capa do mesmo com seu vestido ondulando na forma de um útero. Madonna foi a primeira cantora moderna a trazer menções a Afrodite em seu trabalho quando na turnê de 1.990 (Blond Ambition) ela aparece com seus hoje famosos sutiãs em formato de cone simbolizando o poder feminino e dois falos (também símbolo de poder), enquanto é acompanhada por dois dançarinos representando os filhos de Afrodite ao som da música Like a Virgin (Como Uma Virgem). Já em outra ocasião Madonna se inspirou no famoso quadro “O Nascimento de Vênus” de Sandro Botticelli para fazer a arte do álbum Ray of Light (Raio de Luz).
Deixo abaixo uma lista de algumas canções inspiradas na figura dessa Deusa:
Aphrodite, Kylie Minogue - https://www.youtube.com/watch?v=XX6d1s9YmBY
Venus, Lady Gaga - https://www.youtube.com/watch?v=cToyS606N_s
All The Lovers, Kylie Minogue - https://www.youtube.com/watch?v=frv6FOt1BNI
Afrodite, Sérgio Rabello - https://www.youtube.com/watch?v=gWFAQvIjxGk
Doce Afrodite, Tradição Eleusiana - https://www.youtube.com/watch?v=UGGKTLZYrbI
Afrodite, Nocivo Shomon - https://www.youtube.com/watch?v=87ux2Js92xk
Afrodite, Dubom Rap - https://www.youtube.com/watch?v=cAedGlit-tM
Em seus cultos, antigos e modernos oferta-se doces (hoje principalmente chocolate), bolos, vinho, flores, orquídeas, alface, anémona, pombas, porcos, cabras, vacas jovens, lebres, incenso (mirra, olíbano, rosas, jasmim, dama da noite – florais em geral –, mel), frutas (principalmente maçãs e romãs), ouro, cânticos, hinos, poemas, sexo e conchas. É adorada como a Deusa do amor, paixão, beleza, luxo, sexualidade, fertilidade, casamento, dos artesãos, das cortesãs e dos marinheiros.
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Agora acho que é o suficiente para começar a falar sobre o estudo de seu mito em si e sua metáfora assim como a percebo, entendo e vejo. São conclusões que cheguei através de alguns estudos dos escritos antigos, formas de culto atuais e meu próprio contato com Ela.
NASCIMENTO
Existem duas versões sobre o nascimento de Afrodite em que cada uma expressa uma forma diferente de ver/entender essa Deusa, além de mostrar a forma como Ela atua.
Essas duas versões também remetem ao momento inicial da Criação pelos Deuses Protogenos ou Protogonos, ou seja, as divindades Primordiais (Nascido Primeiro) que existiam no momento inicial da Criação. Existem muitas versões diferentes sobre o momento da Criação pelos filósofos gregos e afirmar uma versão única seria cair em erro e engodo. Portanto, não vou me debruçar na explicação de todos. Alguns destes eram Deuses cultuados pelos gregos, outros eram apenas conceitos adorados e ainda outros apenas conceitos metafóricos, estes últimos não sendo venerados, mas como uma manifestação da forma como o Cosmos se organizou. Mais tarde vou explicar a relação de Afrodite com essas deidades apresentando-a como o centro de Tudo. Enfim, vamos às histórias do nascimento de Afrodite.
A primeira é contada por Homero que diz que Ela nasceu de um caso adúltero entre Zeus, Rei dos Deuses e do Olimpo, com Dione. Existem três versões controversas sobre quem é Dione:
Uma Oceânide As oceânides são um tipo de ninfas e todas filhas de Oceano e Tétis, ambos Titãs filhos de Gaia e Urano (Terra e Céu). As oceânides representam o poder fertilizador da Água e os fenômenos marítimos;
Filha de Urano e Gaia Urano é o Céu Inferior que conseguimos ver quando olhamos para cima e Gaia é o próprio planeta Terra;
Filha de Éter e Gaia Éter é o Céu Superior visto apenas pelos Deuses e a elevação mais pura do Cosmos enquanto Gaia é o próprio planeta Terra.
Portanto, nessa versão, Afrodite descende de: A) o mais poderoso dos Deuses com o poder fertilizador por excelência da Natureza, sendo ao mesmo tempo Filha e Prima em 2º grau de Zeus; B) o mais poderoso dos Deuses com a conexão entre a Terra e o Céu (assim em cima como embaixo), sendo Filha e Tia de Zeus; C) o mais poderoso dos Deuses com a conexão entre a Terra e a Sublimação Mais Elevada, ou seja, a essência mais baixa com a essência mais alta num nível de profundidade bem maior do que a expressão “assim em cima como embaixo” (aqui Afrodite também é Filha e Tia de Zeus).
A segunda, mais recente, é contada por Hesíodo onde a apresenta como filha de Urano, o Céu, com Tálassa, o Mar. Urano odiava os filhos que gerava e os aprisionava no Tártaro nas entranhas de Gaia. Ela então forjou uma grande foice para ser usada pelo seu filho Cronos para que eliminasse o poderio de Urano. E, assim foi feito: Cronos castrou seu pai, pois o falo fertilizador do Céu (Urano) representava seu poder, destronando-o e assumindo assim o controle do Universo. Quando os testículos de Urano tocaram o mar, representação da Titânide Tálassa, formou-se uma espuma densa e dela surgiu Afrodite que foi boiando em cima de uma vieira até a ilha mais próxima. Alguns descrevem essa ilha como sendo Chipre e outros como sendo Citera, daí provendo dois de seus epítetos: Cípria e Citereia.
Abaixo deixo um trecho da Teogonia, escrita por Hesíodo, que descreve o nascimento de Afrodite nos versos 188 a 206:
“E tão rapidamente quanto ele tinha cortado seus membros com resolução e lançado-os da terra ao surgente mar, eles foram varridos por cima do alto-mar por um longo tempo: e uma espuma branca se espalhou em torno de sua carne imortal, e nela ali cresceu uma donzela. Primeiro ela se arrastou para perto da sagrada Citéria, e dali, em seguida, ela veio para o cinturão do mar de Chipre, e ela avançou, uma terrível e amável deusa, e a grama cresceu sob seus pés bem formados. Os deuses e homens dela a chamam de Afrodite, e a deusa nascida da espuma e ricamente coroada Citéria, porque ela cresceu entre a espuma e Citéria porque ela atingiu Citéria, e Chiprogênea porque ela nasceu na encrespada Chipre, e Filomedes porque ela saltou dos membros. E com ela veio Eros, e o gracioso Desejo a seguiu em seu nascimento no princípio enquanto ela entrava na assembleia dos deuses. Esta honra ela tem desde o começo, e esta é a porção reservada a ela entre os homens e deuses imortais – o sussurro de virgens e sorrisos e decepções com a doce delícia e amor e graciosidade.”
*Extraído do site https://sites.google.com/site/helenismo/Home/festivais/fevereiro-afrodite
DO CÉU OU DA TERRA?
Essas duas versões sobre o nascimento de Afrodite gerou nos gregos uma conclusão lógica: por serem tão conhecidas e aceitas tanto uma versão quanto a outra, foi entendido que existem duas deusas Afrodite: Afrodite Pandemos, que remete ao mito contado por Homero como sendo Filha de Zeus e Dione, e Afrodite Urânia, aludindo à história de Hesíodo na Teogonia (obra literária que conta as histórias e mitos dos Deuses).
Afrodite Urânia (Celeste) teria, portanto, domínio sobre o amor incondicional, divino e homossexual enquanto que Afrodite Pandemos (De todos) dominaria, por fim, os amores terrenos, carnais e heterossexuais, além da paixão puramente física, ou seja, o tesão. Duas deusas, uma mais jovem e outra mais velha, mas que também é uma Deusa só.
Uma coisa a ser notada é porque o amor celestial influenciaria a um romantismo homossexual e o amor terreno ao amor heterossexual. Isso se dá porque, querendo ou não, os gregos eram uma sociedade patriarcal. Para eles, um amor que não gera vida e que ainda assim é profundo, só poderia ser explicado por uma atração divina ocasionada pela ação de deuses, pois para se gerar a vida e encarnar a Alma a um corpo é necessária uma união terrena, regência de Pandemos. O amor homossexual era aceito, porém, você deveria manter prole para ser um cidadão respeitável, tanto que demonstrar publicamente passividade em relação ao parceiro do mesmo sexo era uma sentença de desprezo e repúdio. O filme Alexandre, o Grande, retrata isso muito bem e esse conceito foi bastante assimilado pelos romanos. Talvez em virtude disso, o culto a Pandemos era muito mais difundido do que o culto a Urânia, no entanto, já mostra que Afrodite domina a todos os assuntos relativos ao amor, do profano ao sacro.
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MITOCENTRISMO
Se alguém fosse se iniciar nos mistérios de Zeus, seria orientado sobre como Ele está no centro dos mitos e a importância Dele como deidade principal. Se outra pessoa fosse se iniciar nos mistérios de Dionísio, também seria orientada sobre como Ele está no centro dos mitos e a importância Dele como deidade principal. Agora, se fosse se iniciar nos mistérios de Héstia, da mesma forma. E assim sucessivamente para com todas as divindades.
Então, como pode existir tantas teorias a respeito das divindades classificando-as como principais? A questão não é essa. Toda divindade tem sua importância e relevância, no entanto, quando se aprende que uma determinada deidade está no centro, é possível adentrar nos mistérios mais profundos daquele Deus/Deusa e assim entender a mensagem que o Divino deseja repassar. Essa é a chave. Ou seja, tudo está interligado e todos os Deuses são necessários para o Cosmos. E é isso o que será apresentado sobre Afrodite: desmistificar a imagem que muitos têm Dela como uma deusa pueril, sem poderes relevantes e cheia de mesquinhez. Foi apresentado primeiramente sobre o nascimento de Afrodite e toda a descrição sobre sua paternidade porque assim o papel Dela se tornará mais claro com as informações a seguir. Ela é uma das 12 divindades principais gregas não à toa.
É possível notar que em todos os mitos de Seu nascimento, Afrodite nasce do deus mais poderoso do Cosmos naquele momento (Urano ou Zeus) e sua mãe sempre está ligada às águas (Tálassa, Deusa que representa o oceano primordial e incontrolável, ou Dione, uma oceânide que representa os fenômenos marítimos e o poder fertilizador da Água). Isso não é mera coincidência. De início essa combinação mostra a essência de Afrodite: sensual, indomada, fluida, libidinosa, fresca, imponente e poderosa. Por esses adjetivos já dá pra perceber que Ela não é pouca coisa.
É notável também que no mito que a classifica como filha de Urano com Tálassa, Afrodite não é apenas uma Deusa, mas uma Titânide (lembrando que nesse mito Ela é apresentada como a tia de Zeus e, por conseguinte, a mais velha dos 12 Deuses do Olimpo). Os Titãs ao mesmo tempo que são deuses, também representam um conceito abstrato. Exemplo: Cronos é o deus do tempo e o próprio tempo; Hécate é a deusa da magia e a própria magia; Urano é o deus do firmamento e o próprio céu; etc. Sendo assim, quando se vê o tempo passar, na verdade percebe-se Cronos; quando se pratica magia, Hécate está sendo usada; quando contempla o céu, enxerga-se o próprio Urano. Então, Afrodite sendo uma Titânide também é o próprio Amor e não apenas a Deusa do Amor. Quando se ama alguém, Afrodite faz sentir-se.
Mas, Ela não para por aí. Afrodite na realidade se mostra mais como Senhora/Líder do Amor do que o próprio amor, pois quem representa melhor o Amor é seu filho Eros. Num dos mitos da criação contados pelos gregos, existia o Caos e Dele surgem várias divindades que irão compor o conjunto de deuses primordiais, mas o primeiro Deles que surge é Eros, o Amor, que desperta todos os outros com sua energia. Sem amor não há criação. Quando se unem um homem e uma mulher em amor, tem-se vida: filhos. Daí já dá pra se ter uma noção do quanto essa energia é tão poderosa e que não é nada clichê os filmes que retratam esse sentimento como o mais nobre de todos. Na série de livros Harry Potter, o personagem principal não foi morto pelo vilão por causa do amor de sua mãe.
No entanto, o ponto chave é: se Eros é o amor e Afrodite é a Senhora/Líder do amor, significa que o despertar de Eros se dá por e através de Afrodite. Essa é a grande sacada. Sem Afrodite o Cosmos ainda seria uma massa amorfa dentro do Caos e não teria sido desperto, pois enquanto Eros é o amor que prende pelo desejo de possuir, Afrodite é o amor que atrai de forma irresistível pela fascinação, pelo impulso dentro de si mesmo. Ou seja, sem Afrodite não haveria vida porque Afrodite despertou o desejo interno do próprio Cosmos: Eros. Sem Afrodite tudo ainda seria Nada. Sendo assim, como Ela poderia ser uma deusa tão fraca? Jamais. Quando se estuda os mistérios de uma divindade, aprende-se a vê-la no papel principal da Criação. Por isso, mitocentrismo. É possível explicar os mitos da criação a partir de qualquer divindade colocando-a nessa mesma visão que esse texto traz sobre Afrodite.
SEUS AMORES
Como o próprio mito nos conta, quando Afrodite chegou ao Olimpo todos os Deuses cortejaram-na com o intuito de desposa-la, em virtude de sua magnífica beleza. Zeus, Posêidon e Hermes foram alguns que tentaram sem conseguir. Porém, o grandioso Zeus, sentindo-se menosprezado por esse ato e na obrigação de recompensar Hefesto por forjar seus raios, obrigou Afrodite a se casar Hefesto, como forma de puni-la. E assim se fez. A Deusa mais bela casada com o Deus mais feio.
Afrodite realmente ama Hefesto, mas seus casos extraconjugais são conhecidos por todos. A lista de amantes de Afrodite é enorme e parece não ter fim, passando de Deuses a mortais e deixando uma infindável lista de filhos e filhas. Hefesto até cria várias joias e artefatos mágicos para Afrodite com o intuito de impedir esses arroubos amorosos Dela, mas isso de nada adianta, pois ela utiliza esses instrumentos para conseguir mais e mais amantes. E é nesse ponto que existe uma coisa complexa e que gera muita discussão a respeito de Afrodite. Como uma Deusa, que fala sobre Amor, é uma adúltera convicta?
O problema nesse entendimento se dá porque tenta-se entender os Deuses não pela metáfora que Eles carregam em si ou pelos mistérios que sondam seus mitos, mas sim através de um etnocentrismo profundamente enraizado. Etnocêntrico é todo aquele que procura compreender uma sociedade através de suas próprias crenças, preceitos e cultura. Os Deuses, apesar de antropomórficos, tem uma forma de compreensão diferente, e é nisso que baseia-se esse estudo de Afrodite.
Afrodite não é a Deusa do Amor como Eros. Eros é o Deus do Amor, porém é também o próprio conceito do Amor. Já Afrodite é a Deusa do Amor, mas se apresenta como Senhora/Líder do Amor. Numa alegoria grotesca podemos dizer que Eros é o carro e Afrodite é a condutora, a motorista. Você pode entrar no carro e usufruir de sua tecnologia, mas é quem está no volante que determina o rumo da viagem e como esta será. Sendo Líder do Amor, Ela não limita esse sentimento porque é irrefreável e nasce/surge quando menos se espera e nos lugares mais improváveis. Todas as origens de Afrodite remontam ao elemento Água e, como a água, Ela se deixa fluir sem nenhum impedimento ou empecilho. Ela contorna a tudo e a todos. É por isso que sempre está envolvida em vários casos. O sentimento brota, a paixão explode e Ela se deixa inundar disso.
Hoje, no Brasil, em pleno século XXI, nascemos e fomos criados/educados numa sociedade que afirma que o amor deve ser concedido a uma só pessoa. Esse conceito é profundo na psique e não proponho aqui a quebra desse paradigma. Apenas demonstro através dos mitos de Afrodite que o contrário também é verdadeiro e não algo a ser julgado. Cabe apenas a você mesmo, leitor, definir o que quer e o que deseja para si da sua própria vida. Mas, assim como cabe a você definir isso para si mesmo, cabe ao outro escolher ou não esse mesmo estilo de vida. Apenas respeite.
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CONCLUSÃO
Como dito por John F. Kennedy “a mudança é a lei da vida e aqueles que olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro”. A Terra continua girando e pensar que os deuses, como representantes da natureza, estão estáticos e imutáveis no tempo é enganar a si mesmo. É claro que podem ser chamados, invocados e trabalhados da forma como se apresentavam antigamente, da mesma forma que podem ser acessados do modo como são vistos e entendidos hoje. A divindade transcende conceitos mundanos de certo e errado, pois estão dispostas a ajudar.
Ainda assim, o culto precisa ser mais intenso e profundo para que seja possível entender melhor a deidade e sua forma de atuação. Não adianta tratar a divindade como um objeto de prateleira que você pega quando precisa e se esquece logo em seguida e esperar que ela responda suas preces ou atenda seus desejos depois. O contato com um deus é como o estreitamento de um relacionamento com um amigo: você não chega entrando na casa de quem acabou de conhecer, abre a geladeira, pega uma cerveja, senta na poltrona em frente à TV e solta um arroto; antes disso você conhece a pessoa, conversa, mantém contato constante, descobre do que ela gosta, passa momentos de sofrimento e alegria juntos para finalmente se sentir confortável para entrar na casa, abrir a geladeira, pegar uma cerveja, sentar na poltrona em frente à TV e dar um bom arroto. Não espere acessar os mistérios de uma divindade sem manter esses laços com ela.
Certa vez me perguntaram se eu trabalho com todos os deuses e deusas do mundo, visto que sou politeísta. A resposta que eu dei foi que eu posso trabalhar com qualquer divindade, mas a questão é se eu quero e consigo. Existem deuses que vem, passam, deixam uma lição e vão embora. Contudo, nem sempre é assim que acontece. Na maioria das vezes ser um adorador envolve muito suor e esforço de sua parte antes da divindade realmente se importar com você o suficiente para te atender em algum pedido. Mas, atender de verdade.
Por isso afirmo que o paganismo não é uma religião para fracos e preguiçosos. Lembrar da divindade apenas quando se está doente ou quando se precisa é fácil, né? Existem tantos que já fazem isso com os amigos. Eu conheço várias pessoas assim. Mas, estar presentes, participar e se envolver é uma coisa bem diferente. Bom, vão existir divindades com as quais estaremos obviamente mais inclinados, mas muitas outras irão aparecer querendo nosso culto e a questão é: você estará disposto?
Afrodite foi uma deusa que não sei se veio a mim ou se eu que fui a Ela. Apenas numa manhã de fevereiro de alguns anos atrás eu senti uma pulsão de energia tão grandiosa e tão brilhante como se algum magneto de energia pulsante me atraísse para esse nome que quando comecei a pesquisar sobre Ela simplesmente me apaixonei. Eu sempre estive meio distante de Afrodite porque durante muito tempo neguei o amor e achava que o culto a Ela é por demais pop e com um ascendente em Aquário sempre fui averso ao comum. Só que não deu pra fugir não. Ela simplesmente me arrebatou!
Espero ter contribuído um pouco sobre o que já vivi e conheço sobre Ela tanto para aqueles que a estão descobrindo agora como para aqueles que já A cultuam há algum tempo. Que o amor esteja entre todos!
TEXTOS RECOMENDADOS
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Os Hinos Homéricos
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Suda, Suidas